sábado, março 05, 2005

Impulso (1)

Vítima das suas palavras, das suas próprias atitudes.
Quando criou o primeiro blogue fê-lo porque outros também o faziam, porque achava piada ao facto. Os primeiros comentários foram aparecendo timidamente com sabor a invasão de privacidade. Ao fim de algumas semanas surgiam em catadupa. Ricardo respondia sempre. No entanto começava a ter alguns problemas: os seus leitores…leitoras, na maioria, exigiam respostas de diferentes géneros, ou pelo menos assim ele pensava. O pseudónimo usado naquele blogue não lhe dava cobertura para tal. Surgiu um outro nome. Atrás do nome veio um endereço de e-mail diferente e, para que ambos tomassem consistência e credibilidade, surgiu também outro blogue: o segundo.
Daí à primeira troca de números de telefone foi um ápice. O passo para o primeiro encontro estava dado. O desconhecido trazia um sabor a medo e um aroma de excitação.
(Cereja Cristalizada)

Ajeitou-se na cadeira. Quase estendia a mão para outro cigarro. Conteve-se. Queria inebriar-se com a réstia de fumo do que apagara, e consigo, com a habilidade que lhe permitia mover os cordéis que manipulavam quem ele decidia fazer marioneta. De início, não seleccionara alvos. Lançara sementes na teia de cabos ópticos e esperou. Espera nunca passiva, antes alimentada pela rega, pelo tempo e adubo. Tal como em terra madura, as sementes germinaram e misturaram vidas, alimentadas no mesmo solo. Não dispersou atenção. Distinguiu as prometedoras das vãs e, sem deixar morrer as mais insípidas, seguiu com atenção distraída o crescimento das escolhidas. Distante, lúcido, simulando indiferença que não sentia. Ao ver o que pelas suas mãos nascia, redobrou cautelas, não passasse de lavrador a lavrado. Era esse o sentimento na precariedade que hoje o consumia. Acendeu novo cigarro.
(Tati)

Ninguém podia prever como as próximas semanas ou meses se iam desenrolar. Ricardo passava cada vez mais horas sentado à frente do seu computador, um companheiro fiel nas boas e más horas. Continua a escrever no primeiro blogue, mas a cada dia que passava o segundo blogue tinha mais adeptos. Vivia envolto num clima de mistério, tinha acertado no alvo quando resolveu criar o novo blogue, os temas aí debatidos davam azo à imaginação, quem poderia adivinhar que tal sucesso fosse possível.
(Ricardo)



O que escondiam estas mãos?

Impulso (2)

Enquanto viajava de carro olhava pela janela, estava nervoso, o primeiro encontro! Como seria? Para distrair-se ouvia uma música no rádio, mas o seu pensamento voltava sempre ao mesmo ponto de partida, que pensaria ela dele, que pensaria ele dela? Já havia meses que se falavam, nunca se tinham visto a não ser por fotos ou pela webcam, o medo invadia-lhe o corpo e a mente...
(Ricardo)

Conduzia sem ver o que tinha à frente. O pensamento estava perdido naquela voz cujo corpo ainda não tomara forma. Algo o fez acordar e voltar à estrada que tinha como único objectivo conhecer aquela mulher.
O local tinha sido marcado por ela. Ele, que sempre se considerara um sedutor nato, um manipulador do mais hábil que há, deixara-se levar. Não sabia como. A situação tinha extrapolado os limites aconselháveis. A voz do corpo falava mais alto e as emoções obedeciam-lhe. Que era feito da razão? Desaparecera por completo.
Seguiu as indicações dadas. Desviou-se da estrada principal e infiltrou-se por um caminho estreito, que quase conhecia de cor apenas pela descrição feita e revista vezes sem conta.
(Cereja em fondue de chocolate)

O carro já percorrera umas centenas de quilómetros. Desligou a música, queria tirar partido da paisagem e o silêncio bastava-lhe. Uma dor invadiu-lhe o peito como se ficasse sem ar. Abriu a janela e deixou que o sopro ameno da primavera invadisse o habitáculo.
O destino estava mesmo à sua frente, não ia falhar o encontro, não depois de tanto envolvimento, de tanta cumplicidade. Pegou no telemóvel, ia telefonar-lhe.
(João Mãos de Tesoura)



As marcas dos insectos no pára-brisas denunciavam a viagem...

Impulso (3)

O voice mail atendeu-lhe a tremura do gesto. Silenciou a da voz. Retardou um pouco mais o momento. O olhar abarcou o horizonte diluído na lonjura. O arco-iris descera aos campos do Alentejo – amarelos, alfazema, ocres profundos, todos os verdes num só. A planura contrariava o pico de emoção a que desde a madrugada se entregava num crescendo cujo fim conhecia.
(Cerise)

Olhar parado, pensamentos a mil. Agora já nada o impedia de continuar.
Mas os minutos que antecedem o confronto do imaginário com o real são momentos de tensão e de grande ansiedade.
Traçou um plano. Balbuciou palavras. Experimentou gestos.
No momento de todas as decisões o telemóvel tocou. Era ela.
- Pensava em ti.
- Eu sei - proferiu ela.
- Ia telefonar-te.
- Eu antecipei-me! – respondeu.
- Estás nervosa?
- E tu não estás? - e soltou uma gargalhada.
Eram contagiantes as gargalhadas dela e quente a sua voz.
Ricardo ficaria assim o resto dos seus dias, ouvindo-a, e construindo imagens de suporte para esta voz.
- Agora vem.
Foram as palavras dela em jeito decidido e autoritário. Era tarde para recuar. O destino estava ali.
(MWoman)

Ela sem saber que ele dela fugia. Porque se a realidade cansa, a ilusão também. Queria real com corpo, cheiro, pele. Com curvas doces a pedirem o vaguear lento das mãos. Lábios como cerejas que se abrem, maduras, ao verão. Cabelo solto lambido pelo vento. Pele misturada com a dele. Não uma qualquer, anónima apesar do nome. Mas a dela.

Sabia que a ilusão seria, irremediavelmente, estilhaçada pelo real. Ficaria contaminada. Sem préstimo. Jazendo com tantas outras no canto dos desperdícios. Porque, ao desmentir pela segurança e pragmatismo a vulnerabilidade aos sonhos, apenas se protegia com carapaça frágil. A emoção denunciava-o. Vê-la e partir sem amarras ou laços pendentes.
(Cerise)



Era tempo de falar...

Impulso (4)

Hesitou antes de desligar o motor. Apesar de tudo aparentava uma calma absoluta, salvo as mãos molhadas que o traíam.
(Cereja em fondue de chocolate)

Observou o prédio. Uma janela ainda aberta denunciava a espera. Ela estivera aí debruçada a mirar o infinito na incerteza do encontro, do desejo. Tirou uma embalagem de dodots do porta-luvas. Serviam para outras emergências; limpou as mãos e a cara; agora sim, sentia-se melhor. Agarrou num pequeno saco e saiu do carro. Avançou para a entrada do edifício num passo apressado. Tocou à campainha. A porta abriu-se sem que ninguém falasse, cumpria-se o combinado. No elevador pressionou o botão do quarto andar. As portas fecharam-se, já não podia voltar atrás.
"Porra, continuo a suar!", pensou. Um primeiro encontro é sempre uma novidade, excitante, e este tinha o sabor a proibido.
(João Mãos de Tesoura)

“Excelente! melhor do que imaginava!” – pensava Eva enquanto acendia a última de um conjunto de velas que conduziriam Ricardo até ao seu quarto.
Sentou-se na cama e olhou-se no grande espelho em frente. Só lhe conhecia a voz. Era quanto bastava. Por ora. Fechou os olhos.

Ricardo hesitou. Pensou voltar para trás. Mas algo mais forte o impelia ali. A porta estava entreaberta. Empurrou-a devagar. Nem sombra dela. Somente um cheiro forte e adocicado das velas queimadas. Premiu o saco contra si. Com a outra mão apoiou-se à parede. Sentia-se tonto. Hesitou mais uma vez mas agora era tarde de mais. Caminhava arrastando pernas e braços, e na sua cabeça ecoavam as palavras dela. “Agora vem!”, “Agora vem!”.
Parou à entrada do quarto. Um corpo, o dela, ali, naquela cama, como ele imaginara, ao som de uma música suave em carícias ritmadas.
(MWoman)



O corredor do destino...

Impulso (5)

A luz intermitente das velas dava um certo movimento às curvas do corpo que o aguardava quieto, ali à sua frente, num silêncio de consentimento..."Meu Deus, que visão", pensou ele.
As suas pernas tremiam-lhe como as pequenas chamas das velas que dançavam ao sabor da brisa que trespassava o quarto, um pequeno oásis de ar num dia infernal na atmosfera alentejana...o calor não ajudava a conter a transpiração do nervosismo e, encostado à ombreira da porta, teve ainda um acesso de hesitação...apetecia-lhe fumar um cigarro que o acalmasse de uma vez por todas antes do seu ritmo acelerar de novo, mas agora em comunhão de dois corpos que suam e que se esquivam entre apertões de paixão...sorriu e disse-lhe: "estás nervosa?"
(Lagarto)

Eva continuou deitada de frente, não lhe respondeu. O lençol cobria-lhe somente as pernas deixando à vista o corpo sensual onde as sombras realçavam as formas. O cabelo farto cobria-lhe a cara indo cair na borda da almofada. À volta da cama japonesa, velas há muito acesas libertavam a cera em movimentos lânguidos. Encostado à cabeceira, uma Maraca angolana esperava ser tocada a qualquer momento. O avô de Ricardo tinha trazido uma igual quando acabou a comissão militar. Trocara a arma pelo instrumento musical, troca justa, pensou.
Ricardo continuava à porta, a jogada seria sua.
(João Mãos de Tesoura)



As velas derretiam no desejo...

Impulso (6)

"Numa cama nunca! Não num quarto que me faz lembrar sexo conjugal!", disse-lhe ele num tom tão seguro que aparentava certezas que não existiam. Tomou-a em seus braços como numa pintura clássica, entre o seu corpo e o ar apenas um lençol branco caído até ao chão...
(Lagarto)

Ela não reagiu. Via-lhe agora o rosto, uma máscara veneziana sem expressão. Tentou tirá-la e só aí sentiu resistência. Ela balbuciou “tudo, tudo menos isso!”. Ricardo não conseguiu evitar o sorriso, era isto que ele esperava, ser surpreendido para além da sua audácia. "Espera!", disse-lhe Eva, "uma mulher nunca sai sem a carteira" e, apontando com o dedo, indicou-lhe um saco de viagem que se encontrava encostado a uma pequena cómoda. Pousou-a delicadamente no chão e agarrou o saco. Ela ajeitou o lençol à volta do corpo e disse-lhe, “vamos!”. Desceram no elevador sem se tocarem, mirando-se só. Entraram no carro e, num movimento brusco, Ricardo atirou o saco para o banco de trás. “És muito impaciente, podes ter partido os meus cristais...”, riu-se Eva. O ambiente estava criado.
(João Mãos de Tesoura)

Ele acelerou num misto de ânsia de chegar e vontade de se entregar já ali. Puxou de um cigarro que consumiu nervosamente num silêncio falso. "Para onde me levas?", perguntou-lhe ela depois de percorridos os exactos 5 minutos da precária existência do cigarro. "Vamos entregar-nos na natureza...”, ao que ela prontamente respondeu, “Grrrr! Olha que eu mordo!”, e agarrando-lhe a perna com força fez sentir as suas longas unhas por cima das calças. Ricardo não reagiu à dor, não a queria tocar. O desejo era demasiado forte e não queria estragar o momento. Saíram da estrada pouco depois, a ânsia de se tocarem não iria permitir maior viagem. O sinal foi dado por um sobreiro que ele fixara na vinda, uma árvore que se destacava por cobrir com a sua sombra um pequeno fio de água resistente aos primeiros dias de calor. Pararam. Ela não esperou.
(Lagarto)

Lançou-se no campo deixando cair o lençol. De braços abertos, sem nunca olhar para o carro, rodopiou numa dança que adivinhava o cio, que despertava todos os sentidos para um momento único, esperado, ansiosamente desejado. Ricardo saiu do carro e ela, sem demora, correu para baixo do sobreiro deitando-se na erva fresca que limitava o riacho. Com as mãos fez saltar água em movimentos erráticos, como uma criança surpreendida na contemplação da natureza.
Ricardo tirou os mocassins e dirigiu-se para ela. Era um homem interessante, não sendo belo não passava despercebido, tinha o glamour anglo-saxónico que herdara da mãe. A camisa e as calças em linho branco davam-lhe um ar angelical, distante da sua natureza, ele nunca fora inocente.
(João Mãos de Tesoura)



O ninho...

Impulso (7)

Eva rodou a cabeça para ele. Via-o caminhar descalço sobre o manto amarelo e com as madeixas libertas pela brisa. Gozou o momento. Não foram só as conversas inteligentes que a cativaram, o sorriso na webcam confirmou o que as fotos prévias denunciavam.
(João Mãos de Tesoura)

O seu lado africano rebelde, sensual e exótico renasceu subitamente em todos os poros que o seu corpo agora sentia. O sobreiro não era mais um sobreiro, não; o cheiro da terra, o calor no ar e a sombra pobre recordaram-lhe o imbondeiro da casa de seus avós. Um misto de medo e de desejo crescia nela, era tudo o que ela queria e o que mais temia, entregar-se da forma mais selvagem e, ao mesmo tempo, com a pureza de um momento consentido. Puro sentimento carnal, pura entrega, puro salto sem freios e amarras. Ela repensou e sorriu. Os únicos freios seriam as suas pernas à volta do corpo dele; melhor o prendesse, melhor se ficava.
(Elite / SweetRomanza)

Ricardo passou por ela e, sem se fazer esperar, entrou no ribeiro num passo lento. A água não lhe ultrapassaria os joelhos, mas o cenário estava criado para um desafio maior. Ela, lançando a cabeça para trás, fechou os olhos e sorriu. Levantou-se e lançou-lhe um ar provocador como se quisesse ser ela a determinar as regras do jogo. Um diamante colorido reluziu no seu umbigo, um ventre perfeito rematado numa jóia invulgar.
(João Mãos de Tesoura)



Na sombra do imbondeiro!

Impulso (8)

CONTINUEM!!! Leiam o RESUMO para terminar este capítulo!"